Quem ri por último?
A inspiração das mulheres mais velhas sobre amizade, coragem e arte. As duplas improváveis que provocam o riso e a emoção
Há mulheres reais, como a atriz Jane Fonda, que me inspiram a ser o que almejo à medida que os anos passam. Eu já citei uma entrevista maravilhosa que ela concedeu a Julia Louis-Dreyfus no podcast Wiser Than Me. Me perdoe, caro leitor e cara leitora, por voltar ao tema. Ou não. Porque irei.
Jane Fonda, Patti Smith e Viola Davis, por razões semelhantes e distintas, alugam um triplex na minha cabeça todas as vezes que “saltam” no feed do meu Instagram - mesmo com entrevistas que vi mais de uma vez - e aqui no Substack. Ah, não posso deixar de estender o tapete vermelho para a news da incrível Noemi Jaffe.
Elas têm o olhar sobre o que realmente importa, por viver corajosamente, por inspirar enquanto o mundo segue descartando a sabedoria de mulheres mais velhas: no trabalho, nos afetos e nos espaços de poder.
Estou mais perto dos 50 que dos 40 e me recuso a vestir essa espécie de capa da invisibilidade profissional e social. Quem mais me ajuda nesse rolê? Não são as conexões do LinkedIn e, atualmente, não é mais a terapia que precisei largar por um tempo. Os trabalhos e a dose de equilíbrio estão vindo por causa de quem sempre me deu suporte. Também pelos vários agachamentos, pela a yoga semanal e pelos livros.
“Nós nos apoiamos, nos ajudamos a crescer e nos tornamos espelhos umas para as outras.” Jane Fonda, sobre a amizade entre mulheres
Da (minha) realidade para a ficção: cresci vendo filmes e séries em que a amizade era um laço quase impossível de se desfazer. É bem verdade que as produções audiovisuais dos anos 1980 e 1990 caprichavam bastante nas aventuras dos garotos (Os Goonies, Conta Comigo, Anos Incríveis) e as histórias das meninas eram quase sempre atreladas a uma cumplicidade entre amigas que, muitas vezes, servia para fortalecer não uma jornada, mas um namoro, um “happy end” com o mocinho da trama.
Havia muita história ancorada na malfadada “rivalidade entre as mulheres”, mas sempre existiram exceções, como Tomates Verdes Fritos, que perdi a conta de quantas vezes vi. Lentamente e graças a escritoras, roteiristas, produtoras, diretoras e atrizes que foram ganhando espaço nos últimos anos, o que estamos assistindo é que não temos na vida um constante cenário cor-de-rosa nem para as amizades, ainda bem.
Somos atravessados por contradições e ambiguidades. Às vezes odiamos aquela pessoa com a qual dividimos nossos segredos mais sofridos. Às vezes ouvimos palavras duras de quem nos deu o tal ombro amigo. Então, pedimos e escutamos desculpas, nos reconciliamos, com uns bons drinks e rindo de bobagens.
Rir, gargalhar
Passamos (nós, mulheres) décadas ouvindo que não éramos engraçadas, servimos de escada para os caras realmente zombeteiros e divertidos e, mais uma vez, ainda bem que provamos que essa afirmação era mais uma forma de nos colocar em lugares que não nos cabem. Para dar um salto nos tempos atuais, recomendo imensamente a série impecável Maravilhosa Mrs. Maisel (Prime), que teve cinco temporadas, de 2017 a 2023.
Criada por Amy Sherman-Palladino, de quem eu queria ser amiga, conta a história de uma dona de casa nos anos 1950, Miriam “Midge” Maisel. Ela vive confortavelmente em Upper West Side, Nova York, com o marido e os filhos até que a traição dele muda o curso de sua história. Joel Maisel, que sempre se achava um piadista de primeira, mostra-se, apesar de tê-la enganado, no máximo um cara legal ao longo da série.
Midge começa a fazer números de comédia em clubes (com merecido exposed do ex, num primeiro momento) e, graças a parceria com sua empresária Susie, vira uma estrela. Essa curva da trama é muito importante. Entre momentos engraçados, tristes, os altos e baixos, além de uma ruptura, as duas encerram a série mostrando a força dessa relação, de forma simples e comovente. Elas são brilhantes.
O encontro de Midge e Susie une a mulher da elite, apegada às tradições judaicas e criadas por intelectuais a outra que mal tem onde morar, precisa se manter no armário (algo que será abordado com a devida sensibilidade) e está enrolada com dívidas, opostas também vão se atrair em Hacks (HBO) - eu sei que falei da série na edição passada, mas é por um bom motivo que retomo. A comediante veterana Deborah Vance contrata a roteirista Ava Daniels para atualizar seu repertório: o conflito de gerações, o comportamento abusivo da estrela e as diferentes visões de mundo vão criar tensões o tempo todo, mas os vínculos que elas vão criado faz com que a gente sempre torça para que a amizade vença.
Nesta quarta temporada, as duas começam rompidas e vão se reaproximando. Deborah realiza o sonho tardio de comandar um talk-show e descobre que só deram espaço para ela porque a atração mal tinha audiência. Ver duas mulheres - na casa dos 70 e dos 30 - se apoiando para provar para o mundo machista que são capazes de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima é inspirador e também um espelho. Por quanto tempo mais teremos que fazer isso?
O penúltimo episódio mereceu um patrocínio da kleenex. A despeito da personalidade autoritária de Vance e da falta de noção de Daniels, sabemos que qualquer deslize feminino ganha, no mundo do trabalho, uma advertência severa, o famoso e indigesto “ponha-se no seu lugar”. A arte aqui imita a vida e, sim, há injustiças com os homens. Nenhuma comparável a ser, por exemplo, desligado do trampo após voltar de uma licença-maternidade.
Voltando à ficção, Lucia Aniello, a criadora de Hacks, conduzirá a quinta temporada que promete a reinvenção da dupla Deborah e Ava. Reiventar-se, com o suporte (e alguns puxões de orelha) de quem tá junto. Eu já vi essa história e faço parte dela.
Na próxima edição, volto com livros e dicas culturais.
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É isso. Um abraço e até a próxima!