O afeto sabor caju de Liniker #17
O novo disco de uma das grandes cantoras da atualidade, a série protagonizada por ela, 'Manhãs de Setembro', e a poesia de Amara Moira
🔊 Em 1975, Rita Lee lançava o saboroso Fruto Proibido, ao lado da psicodélica banda Tutti Frutti. Com os versos de Luz Del Fuego (Eu hoje represento uma fruta/ Pode ser até maçã/ Não, não é pecado/ Só um convite/ Venha me ver amanhã/ Mesmo!), ela dava a letra de que esse tipo inspiração ficaria em nosso imaginário indefinidamente.
Prova disso é que em 1988, Cazuza cantou o amor tranquilo com sabor de fruta mordida em Todo Amor Que Houver Nessa Vida. A faixa ficou em alta rotação. Em 2024, a proposta sinestésica de Liniker promete fascínio.
Caju é para se lambuzar. Em seu segundo disco solo, a cantora faz a ousada proposta numa época de relações superficiais (aprisionadas nos lugares que ocupamos nas prateleiras amorosas, em que as escolhas seguem um padrões irreais) e também artificiais (que permeiam os aplicativos, as curtidas nas redes e, depois, os vácuos ou ‘ghostings’).
Quero saber se você vai correr atrás de mim
Num aeroporto
Pedindo pra eu ficar, pra eu não voar
Pra eu maneirar um pouco
Que vai pintar uma tela do meu corpo nu
Você já decorou quantas tatuagens tenho?
Se eu ligo pra cartum ou rabisco os meus desenhos
Quantos shows tem na minha agenda?
Meu disco favorito?
O peso do meu coração?
O desejo de ser amada cantado por uma mulher negra e trans carrega importantes simbologias. Liniker conquistou o status de referência entre diversas comunidades lá atrás. Agora, brilha como uma artista completa para tocar no rádio, na novela, nos festivais e nas baladas indies.
Não faz tanto tempo que cantoras lésbicas, por exemplo, temiam perder público se saíssem do armário. A ideia de musa sempre foi associada a padrões machistas e heteronormativos. A luta de várias gerações, aliás, é para que esse conceito não limite nenhuma mulher. Façamos nossas musas e anti-musas como bem entendermos.
No contexto de um mundo ainda bastante conservador, demorou muito para chamarmos Liniker de elegante, linda, poderosa e todos os adjetivos que ela merece. No entanto, a porta que ela, Raquel Virginia, Assucena, Linn da Quebrada, Filipe Catto e tantas outras abriram não tem tranca.
Voltemos ao disco. São 14 faixas, com texturas e sonoridades bem distintas. Tem orquestra, batida da Bahia, balada e som de pista. A coerência, mesmo com toda essa mistura, está em Caju. Um álbum que passeia pelo universo multicultural e com muitas referências da artista de 29 anos.
Dentre as participações especiais estão: Lulu Santos, Pablo Vittar, Amaro Freitas, Anavitória, BaianaSystem. Ela assina a produção ao lado de Fejuca e Gustavo Ruiz e uma curiosidade é que Liniker gravou todo o disco de forma analógica, em fita. Já é um sucesso nas plataformas de música em poucos dias. Para quem ama vinil, como eu, não custa torcer para que a artista invista também neste formato.
Ouça aqui
Liniker para maratonar
📺 Manhãs de Setembro (Prime) foi das melhores surpresas quando estreou, em 2021. Era época de pandemia e existia uma necessidade coletiva de esperança. Liniker é a protagonista da série, dirigida por Luís Pinheiro e Dainara Toffoli. No elenco estão Karine Teles, Thomas Aquino, Gero Camilo, Paulo Miklos e o Gustavo Coelho. Seu Jorge e Samantha Schmütz são presença na segunda temporada.
Liniker vive Cassandra que durante o dia ganha a vida trabalhando como motogirl e à noite canta numa boate do centro de São Paulo. Ela sonha em trilhar os passos de sua ídola, a cantora Vanusa e tem um romance com um homem casado, mas o que quebra sua rotina é a descoberta do filho, Gersinho. A partir desse encontro, a trama mergulha em muitas camadas, todas tratadas com uma sensibilidade imensa, mostrando as possibilidades que vão além do existir e resistir. A atração vai virar um longa-metragem em breve.
Poesia de Amara Moira
📚 Amara Moira é um dos nomes mais interessantes da literatura contemporânea. Escritora, professora, ativista e doutora em Teoria Literária pela Unicamp. Ela, aliás, ao obter o doutorado, tornou-se a primeira mulher trans a assinar a tese usando o nome social. Nome que é inspirado na Odisseia de Homero e faz referência às videntes que previam o destino de Ulisses.
Poema Autobiográfico
corpo que não se deve levar à praia
olhos não te deixam quieta
onda vem quieta
vem e te cobre
te descobre inteira
seio um pra cada lado
parte de baixo peixe
bikini já não é mais roupa
tudo o que se perguntam
sobre o meu corpo
tudo o mar sabe
tudo e eu tenho segundos
um dois três quatro
pra me recompor
antes de voltar à tona
É isso. Um abraço, obrigada e até semana que vem!
Que linda edição, Ludmila!
Fez jus a formosura do álbum da Liniker! 💗
Preciosidade de edição! <3
Quero ouvir esse álbum da Liniker - para onde olho tô vendo as pessoas indicando o disco. E adorei a dica literária. Anotada!
Beijo.