Nenhuma linha perdida ao vento #10
A força da escrita (e das adaptações) de Elena Ferrante, a trilha de suas personagens, a herança de Emily Dickinson, o EP do Wilco e um café em Santa Cecília
Eu tenho alguma tendência a atribuir meus gostos e temperamentos àquilo que pouco ou nada sei. O pouco passa pelas minhas origens e o nada pela astrologia. Uma ínfima parte do meu DNA é italiana. A única bisavó que conheci e de quem tinha um certo medo veio de Nápoles.
O certo medo é uma memória, uma impressão porque ela morreu antes dos meus cinco anos de idade. Tenho uma foto sentada no colo da avó de um amigo do meu pai. Francesca (a vovó Chiquinha para a família) estava ao lado, altiva e não sorria. Ou talvez não sorrisse para fotos porque não queria se sentir obrigada.
Conheço fragmentos daquela mulher napolitana brava. Mas o sangue quente do Sul da Itália combinado com o signo de Áries sempre me atravessou, embora eu seja do tipo que sorri nas fotografias, mesmo quando não quero. Ascendente em Câncer? Descendência portuguesa? Vai saber…
Ganhei A Amiga Genial no meu aniversário de 40 anos. Todo mundo falava sobre o livro e sua autora, Elena Ferrante, escritora italiana avessa a aparições e que descreve Nápoles de forma muito visceral. Um lugar habitado por mulheres como Francesca e muito diferentes dela, que aceitou a convenção do casamento (não com um italiano, e sim com um português) e da família numerosa de sua geração.
Eu não li o romance imediatamente porque sempre tem “a” fila. Quando comecei, não parei e devorei a tetralogia. Lenu e Lila viraram minhas amigas e meu espelho. Eu adoraria o box com posfácios inéditos, aliás. Ferrante foi alçada à categoria de uma das minhas escritoras favoritas rapidamente. Intercalei seus romances - além do livro de ensaios As Margens e o Ditado - sempre acompanhando suas adaptações para o audiovisual.
My Brilliant Friend, com três temporadas no Max, é um produção primorosa. Bastante fiel aos livros, a série conta com um elenco incrível (Margherita Mazzucco e Gaia Girace dão toda a intensidade das amigas), fotografia belíssima (especialmente da idílica Ischia), direção de arte que atravessa as décadas narradas no romance com muita precisão e uma trilha emocionante.
A quarta temporada - com novo elenco e que encerra a tetralogia - deve ser exibida ainda em 2024 (tomara!) no Brasil.
Também pelas plataformas de streaming, mas Netflix, A Vida Mentirosa dos Adultos virou minissérie. Li o livro antes, mas me encantei com a Giovanna (que também tem um pouco de mim na adolescência, ainda mais porque crescemos nos anos 90) vivida por Giordana Marengo.
Com A Filha Perdida fiz o caminho inverso. Assisti ao premiado (merecidamente) filme da Maggie Gyllenhaal logo no lançamento e terminei o romance há poucos dias (todo grifado). Duas atrizes interpretam a fascinante Leda: Olivia Colman e Jessie Buckley. A trama gira em torno de uma professora universitária que vai passar as férias numa praia e se vê fascinada por uma jovem mãe e sua filha.
Leda poderia ser a personagem de Ferrante com a qual eu tivesse menos identificação. Não sou mãe e não serei. Entretanto, nada no universo da escritora tem dimensão simplista. Leda habita lugares mais interessantes do que apenas o lugar de fala da maternidade - e mesmo este lugar não é um ponto de vista único e imutável.
É possível reprovar o comportamento da protagonista, rir dela, querer abraçá-la, pedir referências dos livros que está lendo e até tomar um vinho ruim e barato com ela naquele dia em que choveu torrencialmente no verão arruinando o passeio…
Quem já viu o filme, leu o livro ou não fez nada disso, pode encontrar A Filha Perdida no teatro. A Oceânica Companhia apresenta o espetáculo no Sesc Bom Retiro até o dia 28 de julho. Meu ingresso já está comprado.
Na vitrola da Lenu e no CD player da Giovanna
🎧 A playlist tem sotaque italiano, mas não só. Se Lenu e Lila dançam Mina ao lado de Nino, Leda ouve David Bowie enquanto dirige. Já Giovanna, em seu quarto, escuta Massive Attack nos fones de ouvido…
Emily Dickinson, uma referência
Em As Margens e o Ditado Elena Ferrante refaz os caminhos literários que a ajudaram na construção de suas personagens. Não seria surpresa imaginar que a poeta norte-americana nascida em 1830 é uma referência da italiana. Emily Dickinson, aliás, é um farol para mulheres que escrevem, mesmo as que não sabem disso. Com uma produção intensa, seus poemas só foram conhecidos após sua morte em 1886. No meu podcast, Te Dou Um Poema, dediquei um episódio a ela no ano de 2022.
“A Bruxaria foi
enforcada, na História
Mas a História
e Eu
Temos toda a
Bruxaria de que
precisamos
ao nosso redor,
todo dia ”
Um aperitivo de Chicago
🐻 Enquanto O Urso (The Bear) não chega ao Brasil (a estreia da terceira temporada aconteceu no último dia 27 de junho, nos Estados Unidos, mas por aqui vamos ter que esperar até 17 deste mês, quando estará disponível na Disney+), vamos de outro tom de Chicago que dá um quentinho no coração quando tem novidade: Wilco.
O grupo lançou Hot Sun Cool Shroud. O EP tem seis faixas e vem na esteira do Solid Sound Festival, de autoria do próprio Wilco. Seriam canções que não cabiam no último disco? De todo modo, não deveriam ficar no limbo porque traduzem a versatilidade de uma das bandas de rock alternativo mais importantes da atualidade. Ouça aqui.
Pausa para o cafezinho
☕ É impressionante como estão surgindo cafés de altíssima qualidade nos últimos tempos! Eu já nem lembro mais o que é tomar aquela bebida torradíssima e cheia de açúcar…Um dos lugares mais charmosos que conheci andando pela região onde moro é o Café MaLu.
Tem toda a embalagem linda que as pessoas chamam de “santacecilier” (eu gosto, me sinto em casa) e o mais importante: o café coado é uma delícia. Com um bolinho no fim de tarde (algo mais próximo do clima do inverno do Sudeste em 2024) é bom demais! Vai lá!
É isso. Um abraço, obrigada e até semana que vem!
Adorei essa edição da news, Ludmila! Sou suspeita, pois uma pregadora da palavra da Elena Ferrante também. Não tenho a origem italiana, mas sonho em conhecer Nápoles por causa dos livros dela. <3 E adorei o paralelo que você fez com sua avó.
Sabe que não assisti à série até hoje porque tenho medo de me decepcionar? Hahaha. O filme "A Filha Perdida" eu achei incrível - mas tenho medo da magia da tetralogia se perder, não sei. Pode parecer bobo, mas os livros foram tão marcantes pra mim que não sei como lidar hahahaha
Beijo <3