A poesia musical da Antonio Cícero #26
Poeta, filósofo e imortal da ABL conciliou a intelectualidade com uma produção pop de alta qualidade cantada por Marina Lima, Lulu Santos, Caetano Veloso, entre outros
Mais de uma pessoa me disse que não gostava de poesia. Ou, ainda, de gato, de café e de Radiohead. Tudo porque gosto de todos. As camadas que embalam o conceito de que a unanimidade é sempre controversa podem suscitar questionamento, conflito, indiferença e até o desejo de persuasão.
— Dê uma chance ao Drummond, acaricie um bichano, experimente a bebida com sorvete de creme, ouça atentamente “How to disappear completely”, eu diria.
Mas não trago soluções. Nem para mim.
“Eu espero acontecimentos.
Só que quando anoitece.
É festa no outro apartamento”
A partir da adolescência, minha vida inteira passou a ser entremeada pelas canções da Marina Lima. Em especial, aquelas cujas letras seu irmão, Antonio Cícero, escreveu. Nascido em 1945, ele saiu de cena nesta quarta-feira, 23 de outubro, aos 79 anos. Viveu e morreu com dignidade, como desejou.
Poeta desde a juventude, Cícero começou a formação em filosofia no Rio, concluiu em Londres, e ainda estudou grego e latim nos Estados Unidos, entre os anos 60 e 70. Talvez sua produção cultural e intelectual ficasse um pouco mais restrita, se Marina não tivesse surrupiado e musicado “Alma Caiada”, numa típica artimanha de caçula.
Maria Bethânia gravaria a canção em “Pássaro Proibido”, de 1976. Mas a faixa sequer entrou no disco porque foi vetada. O tom político, transgressor e amoroso de Antonio Cícero seguiu em frente num Brasil que atravessou a censura até 1985. Conciliou em harmonia perfeita o acadêmico e o letrista pop. Dos anos 80 até hoje não há quem não resista a seus refrões.
“E tudo de lindo que eu faço
Vem com você, vem feliz
Você me abre seus braços
E a gente faz um País”
A poesia do Antonio Cícero pode até faltar em estantes de livros, é verdade. Mas segue espalhada nos encartes dos discos de vinil de muitas coleções. Sua vasta e inspirada produção é cantada também por Lulu Santos, Caetano Veloso, Gal Costa, João Bosco, Maria Bethânia, Adriana Calcanhoto, José Miguel Wisnik, entre outros.
“Faltava abandonar a velha escola
Tomar o mundo feito Coca-Cola
Fazer da minha vida sempre
O meu passeio público
E ao mesmo tempo
Fazer dela o meu caminho só, único
Talvez eu seja o último romântico
Dos litorais desse Oceano Atlântico
Só falta reunir a zona norte à zona sul
Iluminar a vida, já que a morte cai do azul”
Imortal da Academia Brasileira de Letras desde 2017, Antonio Cícero é autor de dezenas de ensaios filosóficos e, dentre os livros de poesia, do premiado “Guardar”, de 1996, que foi incluído na antologia “Os cem melhores poemas brasileiros do século”, organizada por Ítalo Moriconi em 2001.
Suas ideias seguirão e nós seguiremos cantando suas letras, mesmo os que dizem não gostar de poesia.
*Fixei a publicação às quintas nas primeira edições, os atropelos jogaram para as sextas e, excepcionalmente, saiu numa quarta. “Essa magia colorida. Coisas da vida” mesmo…
📚 Fora dos encartes dos discos
Canção do Amor Impossível
Como não te perderia
se te amei perdidamente
se em teus lábios eu sorvia
néctar quando sorrias
se quando estavas presente
era eu que não me achava
e quando tu não estavas
eu também ficava ausente
se eras minha fantasia
elevada à poesia
se nasceste em meu poente
como não te perderia
🎶 Playlist
Um compilado com algumas letras marcantes de Antonio Cícero, com grandes nomes da MPB e música pop.
É isso. Um abraço e até semana que vem!
Não conhecia a poesia de Antônio a fundo, apenas o poema Guardar. Vou escavar suas obras, obrigada por partilhar. 🤗🌷🙏